ESCOLA DO TRABALHO: UMA VISÃO DA PEDAGOGIA SOCIALISTA DE PISTRAK

ADRIANA GUIMARÃES DE LACERDA
HELAINE VALE BRANDIÃO
LIDIANE XAVIER DE FARIA
TALITA MENDES DOS REIS SOUTO

TRABALHO APRESENTADO A PROFESSORA CARMEM LÚCIA EITERER PARA A DISCIPLINA TEORIAS PEDAGÓGICAS, OITAVO PERÍODO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA, TURMA M.

BELO HORIZONTE – MINAS GERAIS, FEVEREIRO DE 2004

I – INTRODUÇÃO
Este trabalho está vinculado à disciplina Teorias Pedagógicas e tem como objetivo tecer considerações a respeito da pedagogia socialista de Pistrak. A metodologia utilizada para a elaboração do presente texto foi a seguinte: leitura, fichamento e discussão, em grupo, concomitantemente à elaboração de uma primeira versão do artigo Escola do Trabalho: uma visão da pedagogia socialista de Pistrak
Primeiramente buscamos fazer uma pequena apresentação do autor, caracterizando o contexto histórico e político de produção da obra. Tentamos demonstrar, de forma sucinta, o contexto econômico, social, histórico e político da época em que a obra foi produzida; os movimentos econômicos sociais e políticos, entrelaçados aos movimentos no âmbito da educação e problemas existentes no contexto educacional, que exigiam análises e propostas de solução que moveram o autor a procurar apresentar contribuições teóricas e práticas, tarefa à qual dedicou seus estudos.
No que diz respeito ao conteúdo do artigo, descrevemos e explicamos os pontos considerados centrais na investigação do autor e a importância de estudá-los. No ítem plano de aula pretendemos sugerir um atividade que possa ser realizada na formação de alunos do ciclo básico das escolas públicas, contemplando o método de trabalho do autor.
Por fim, o presente artigo pode fornecer contribuições teóricas e práticas para se aprofundar no conhecimento da Escola do Trabalho, bem como incentivar novas pesquisas sobre o tema.

II - APRESENTAÇÃO DO AUTOR
Educador, que se situa na linha dos grandes educadores russos, Pistrak foi atuante no início da Revolução de 1917 e propunha a transformação da escola burguesa em uma escola revolucionária. Para ele era importante desconstruir a escola de então e recomeçar uma escola nova. Isto porque sua visão educacional foi concomitante ao período de ascensão das massas na Revolução Russa e esta necessitava de homens que não cultuassem o passado, e homens desalienados e ansiosos por criar o futuro.
“ A idéia básica de uma nova sociedade que realizaria a fraternidade e a igualdade (...) Neste período, a Revolução Russa era uma esperança que ainda não havia sido enterrada pela hegemonia da burocracia sob Stalin, a qual reduziria o projeto revolucionário soviético a uma política de industrialização.” (TRATEMBERG,1981, 8)
Os professores deveriam ser reeducados e reaprender a prática docente nesta nova escola. Nos ideários de Pistrak fez-se presente o projeto da revolução soviética no que tange a educação, principalmente no nível primário e secundário. De acordo com TRATEMBERG (1981), a base da nova instituição escolar idealizada por Pistrak parte da ênfase nas leis gerais que regem o conhecimento do mundo natural e social, da preocupação com o atual, das leis do trabalho humano, os dados da estrutura psicofísica dos educandos e por fim, do método dialético que atua como a força organizadora do mundo. É desta forma que Pistrak define a Escola do Trabalho.
Pistrak trabalhava sob pressão dos desdobramentos da revolução russa, e a responsabilidade de sucesso da primeira experiência socialista no âmbito político econômico e educacional, o que justificava a ênfase dada pelo autor ao trabalho industrial. O trabalho na fábrica abrange o complexo de relações sociais de produção, e isto propiciava a observação dos preceitos importantes para ele, devido a isto Pistrak elabora um ambiente escolar próximo da fábrica.


III - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
A antiga União Soviética passava por um período de transição entre a queda do Czarismo e a ascenção do socialismo caracterizado pela Revolução Russa. Neste contexto tudo estava por ser feito, pois a transformação social e política não se revelou de imediato e nem uma nova escola ou pedagogia que atendesse aos objetivos da revolução.
Pistrak elaborou um trabalho pedagógico introduzindo uma dimensão política que estivesse de acordo com os objetivos centrais da Revolução no plano sócio-econômico. Para transformar a “escola burguesa” em uma “escola revolucionária” era necessário formar um novo tipo de homem e abolir a “escola tradicional” que não condizia com os desígnios da Revolução. Sendo assim, Pistrak afirmava que, o melhor era criar uma nova instituição ao invés de apenas transformar a “escola tradicional”. A revolução dos métodos de ensino era necessária à prática docente, o professor deveria ser reeducado para esta nova perspectiva de ensino.
Para trabalhar de forma útil e com sucesso na nova escola soviética, é fundamental compreender o seguinte: primeiramente, sem teoria pedagógica revolucionária, não poderá haver prática pedagógica revolucionária. Sem uma teoria de pedagogia social, nossa prática levará a uma acrobacia sem finalidade social e utilizada para resolver os problemas pedagógicos na base das inspirações do momento, caso a caso, e não na base de concepções sociais bem determinadas. (...) Porque, antes de falar sobre os métodos de ensino específicos de uma disciplina qualquer, é preciso em primeiríssimo lugar demonstrar por que ela é necessária; depois, com base nas respostas, definir quais devem ser ensinadas e só depois é que se coloca o problema da procura dos métodos. E pode-se ter a certeza de que a resposta à questão de saber se esta ou aquela matéria é necessária e por que o é, será completamente diferente em nossa escola do que a formulada pela antiga escola. ( PISTRAK, 1981, 29)

Assim, buscando a reformulação não apenas dos métodos, mas também da concepção de escola, para formar a Escola Única do Trabalho, de acordo com as teorias pedagógicas de Pistrak, faz-se necessários dois princípios:

ð Relações com a realidade atual;
(...) A realidade atual é tudo o que, na vida social da nossa época, está destinado a viver e a se desenvolver, tudo o que se agrupa em torno da revolução social vitoriosa e que serve à organização da vida nova. A realidade atual é também a fortaleza capitalista assediada pela revolução mundial. (PISTRAK, 1981, 34)
ð Auto organização dos alunos.
A aptidão para trabalhar coletivamente só se adquire no trabalho coletivo; trata-se, portanto, de um problema que a escola terá de enfrentar. (...) Significa também que se sabe dirigir quando é necessário e obedecer quando é preciso. (...) Que todos, ocupem sucessivamente todos os lugares, tanto as funções dirigentes como as funções subordinadas. A Aptidão para analisar cada problema novo como organizador pressupõe hábitos de organização adquiridos durante o desempenho de diversas funções exercidas pela criança no contexto de diferentes organismos. (PISTRAK, 1981, 41)
Através de sua observação, MALAVAZI (1995) afirma que esta prática é possível, ao vivenciar a participação dos alunos e seus representantes na auto organização, trazendo seus problemas e suas reivindicações, sempre consideradas de forma séria e justa. Segundo ela, através do trabalho democrático, desenvolve-se na criança o trabalho coletivo e a responsabilidade ao realizá-lo e a escola nunca deve partir da premissa de que sempre está certa, mas que sempre é preciso aprimorar e aprender. “Se o aluno acreditar nessas premissas que devem ser sobretudo muito verdadeiras, teremos alunos se vendo como elementos condutores do processo educativo junto com o corpo docente”(MALAVAZI, 1995, 83).
Esta autora traz vários exemplos de auto organização dos alunos, dentre eles escolhemos a prática de escolha do representante de classe para explicitar esta concepção. Na escola pesquisada por MALAVAZI, o processo de eleição do representante de classe é realizado após todo um trabalho de conscientização da função do representante, do voto nas eleições, da democracia, dos direitos e deveres dos alunos, do papel da escola, do papel do representante e dos demais alunos. Isto é feito no início do ano letivo, esta é a introdução teórica de todo processo. Ao término dessa etapa, os alunos se candidatam perante a escola e os demais pares, só então é realizada a eleição. A autora salienta que a função do representante de classe como intermediário entre os alunos e a instituição escolar não impede que os alunos procurem a instituição e vice-versa. Este exemplo, citado por MALAVAZI, retrata de forma singular o princípio de auto organização dos alunos, idealizado por Pistrak.
Ainda de acordo com a autora, práticas como estas refletem no interesse dos alunos no que tange a participação na gestão escolar.“(...) Segundo eles (os alunos pesquisados), a escola permite esse avanço em direção ao novo, abrindo espaço para que eles atuem e implantem suas idéias. (...) Para eles, os adultos que estão na escola “aprenderam” a olhar e a ouvir os estudantes.” (MALAVAZI 1995,9).
De acordo com Pistrak, os fatores da realidade de sua época e a auto organização, que determinam o caráter da Escola Soviética do Trabalho, são balizados pelo mesmo princípio: a concepção marxista e revolucionária dos objetivos da escola durante a fase de desenvolvimento histórico da Revolução Russa.
Segundo Pistrak, a organização do programa de ensino deve orientar-se através do “sistema por complexos” (sistema que garante uma compreensão da realidade atual de acordo com o método dialético).
Os critérios para a seleção dos temas do complexo devem ser procurados no plano social e não no plano meramente pedagógico. O complexo deve ter significado relevante no âmbito social de modo que permita ao aluno a compreensão do real. (TRAGTENBERG, 1981, 18)
Daí a necessidade de se trabalhar temas reais com os alunos, que façam parte do seu cotidiano, pois desta maneira o conteúdo será assimilado com maior facilidade. Os temas a serem trabalhados devem ser relevantes e articulados entre si (Complexo). Pistrak afirma que o não comprometimento do professor neste método poderá desencadear o mau entendimento ou o não entendimento do aluno, o que ocasionará o fracasso.
(...) A organização das disciplinas de ensino segundo o sistema do complexo só tem sentido e valor na medida em que for compreendida pelos alunos. Se ela está apenas presente no espírito do pedagogo, ou está bem organizada apenas no papel, e se o encadeamento interno do ensino não é evidente para os alunos, é melhor renunciar ao complexo. (PISTRAK, 1981, 118).
PISTRAK acredita que o “objetivo da escola é o de formar crianças para serem trabalhadores completos” então é necessário que a escola forneça uma formação técnica e social possibilitando ao aluno uma orientação na vida real. Esta formação deve ser o mais prática possível para tornar agradável ao aluno a mudança da realidade da escola para a realidade social que o ensine a vincular a prática á teoria. É importante que esta formação também se destine “formar homens a exercer funções de auxiliar ou ajudante”, sendo necessário o vínculo desta à alguma empresa. “A entrada do aluno na vida depois da escola deixa de ser um salto no desconhecido tornando-se uma transição bastante fácil e, quanto mais passar desapercebida, melhor será para o aluno”. (PISTRAK, 1981, 77.)
IV – SUGESTÃO DE ATIVIDADES

TEMA: A teoria caminhando junto com a prática
OBJETO ESTUDO: O lápis
OBJETIVO:
Demonstrar, através de preceitos metodológicos de Pistrak, que pode-se unir teoria e prática de forma interdisciplinar para os alunos de 1ª à 4ª séries do ensino fundamental, partindo de um objeto (parte) para um contexto mais amplo (todo), englobando a realidade sócio-econômico e cultural desses alunos.
METODOLOGIA
O objeto de estudo deve estar inserido na realidade do aluno, indo assim da prática para a teoria. Parte-se de um objeto conhecido como referência, neste caso o lápis, e a partir daí desenvolve-se outros temas correlacionados.
ATIVIDADE PROPOSTA
Tendo o objeto lápis como referência inicial, utilizamos a interdisciplinariedade para chegarmos ao “ponto de partida” da confecção do mesmo, ou seja: o lápis é feito de madeira, esta é retirada da árvore, que é plantada em algum lugar. De onde vem essa árvore? Como é retirada da natureza? Por quem? (geografia, história, ciências e ecologia ética); precisa-se da utilização de mão-de-obra? Qual a condição do trabalhador que planta? (matemática, português, economia, política).
A proposta é que os alunos trabalhem, individualmente, onde desenvolverão um trabalho de retrospectiva sócio-histórica a partir da matéria-prima (o lápis), recuperando todos os processos e sujeitos que atuam na sua produção e comercialização. Exemplo:
· O professor pode pedir aos seus alunos que peguem do seu material escolar um lápis.
· Pedir para que os alunos observem o lápis, o manuseie e o utilize.
· Chamar a atenção dos alunos sobre o objeto em questão, fazendo perguntas que os levem a investigação do todo o seu processo de produção (desde o momento em que nasce a árvore, de onde será retirada a madeira para a fabricação, até o momento em que o lápis chega pronto para ser utilizado).
· Depois de toda observação junto à turma, fazer um registro por escrito, dependendo da faixa etária é inviável a escrita, portanto, o trabalho deverá ser feito na linguagem oral e o registro escrito deve ser feito pela professora.
RECURSOS DIDÁTICOS
Serão utilizados lápis e papel, e outros materiais que o professor possuir ou achar necessário acrescentar. Incentivar na criança a investigação e o questionamento e somente mudar o tema ou complexo quando perceber que foram esgotadas todas as dúvidas e as questões. A partir do objeto lápis, o professor poderá desenvolver o que Pistrak denomina de “sistema por complexos”, procurando discutir temas relevantes e atuais que façam parte do cotidiano e que possam ser articulados.
AVALIAÇÃO
Constante, através do desenvolvimento das atividades e a participação da turma.

V – FRAGMENTO DA OBRA DO AUTOR
“Trata-se agora de uma revisão completa do próprio objeto do ensino, da introdução no programa dos estudos necessários à boa compreensão da realidade atual, da introdução de novas disciplinas desconhecidas da escola até então: a concepção marxista dos fenômenos sociais, o programa de história necessário à compreensão e à explicação da realidade atual, as ciências econômicas, as bases da técnica, os elementos da organização do trabalho, tudo isto deve começar imediatamente a fazer parte da escola; o ensino das ciências naturais, da física, da química, deve ser concebido de uma forma completamente diferente, visando a novos objetivos; o estudo dos fenômenos naturais passará a ter como objetivo principal sua utilização pelo homem na indústria e na produção. A antiga atitude contemplativa adotada para estudar as ciências naturais deve ser superada.
As próprias matemáticas podem desfazer-se de tudo o que se revia, segundo os antigos métodos, para polir o cérebro e amolecer o pensamento (o que as matemáticas elementares da escola antiga eram precisamente incapazes de fazer); por outro lado, elas recolherão nas altas matemáticas tudo o que é essencial a qualquer estudo das ciências naturais contemporâneas que, por sua vez, assumem na nova escola, como já afirmei, um caráter produtivo.
O objetivo que os alunos devem atingir é não somente estudar a realidade atual, mas também se deixar impregnar por ela. A conseqüência é que os antigos métodos de ensino não podem mais servir, é preciso estudar os fenômenos em suas relações, sua ação e dinâmica recíprocas, é preciso demonstrar que os fenômenos que estão acontecendo na realidade atual são simplesmente partes de um processo inerente ao desenvolvimento histórico geral, é preciso demonstrar a essência dialética de tudo o que existe, mas uma demonstração desse tipo só é possível na medida em que o ensino se concerne em torno de grupos de fenômenos constituídos em objetos de estudo: assim, a questão do ensino unificado, da concentração do ensino por complexos, torna-se uma questão candente; a questão do método que agora se coloca não é simplesmente a questão de uma assimilação melhor e mais completa desses ou daqueles estudos; trata-se de uma questão que se relaciona com essência do problema pedagógico, com o conhecimento dos fenômenos atuais em suas relações e dinâmica recíprocas, isto é, com a concepção marxista da pedagogia.”(PISTRAK, 1981, 35-36)

VI – GLOSSÁRIO

COMPLEXO: um fenômeno de grande importância, de alto valor, enquanto meio de desenvolvimento da compreensão das crianças sobre a realidade atual. Pressupõe o princípio da pesquisa e de relação dos conhecimentos com a totalidade. O sistema por complexo garante uma compreensão da realidade atual de acordo com o método dialético.
ESCOLA DO TRABALHO: um instrumento que capacite o homem a compreender seu papel na luta internacional contra o capitalismo. O espaço ocupado pela classe trabalhadora nessa luta e o papel de cada adolescente, para que cada um saiba, no seu espaço, travar a luta contra as velhas estruturas.
AUTO ORGANIZAÇÃO DOS ALUNOS: é uma escola de responsabilidades assumidas, onde atividades infantis se definem, desde a conservação da limpeza do prédio, a divulgação de normas higiênicas, a organização de sessões de leitura, o registro dos alunos, até espetáculos e estas escolares, a biblioteca e o jornal escolar. Isto inclui a rticipação das crianças na administração das escolas.
COLETIVO/ COLETIVIDADE INFANTIL: é um instrumento para expressão real e completa do projeto social dos educandos na escola, e estimula as crianças a se assumirem enquanto seres humanos, na riqueza de suas individualidades e da coletividade que formam com seus companheiros e iguais, capazes de dirigir o processo de seu próprio “crescimento”.

VII – BIBLIOGRAFIA

1) OBRA DO AUTOR:
PISTRAK. Fundamentos da escola do trabalho – São Paulo: Brasiliense, 1981.
2) SOBRE O AUTOR:
ROSSI, W. G. Pedagogia do trabalho: caminhos da educação socialista. São Paulo: Moraes, 1982. Vol.: 2. MALAVAZI, Maria Márcia Sigrist. A construção de um projeto político pedagógico: registro e análise de uma experiência. Campinas, SP, 1995. 1v. Dissertação (Mestrado em Educação na Área de administração e Supervisão Educacional) – Faculdade de Educação, UNICAMP.